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Uma análise sobre tempo e linguagem em: A Chegada

Foto do escritor: Lucas CulpiLucas Culpi

A Chegada (2016), filme de ficção científica produzido por Dennis Villeneuve, nos faz imaginar como seria um primeiro contato com seres extraterrestres. Naves alienígenas chegam às principais cidades do mundo, e com a intenção de se comunicar com os visitantes, uma linguista, um físico e um militar são convocados para decifrar as estranhas mensagens dos seres.

Diferente de outros filmes do gênero, como por exemplo: Sinais (2006), Guerra dos Mundos (2005) e Contato de 4º grau (2009), que apresentam um enfoque muito maior no horror e no clima de tensão; em A Chegada somos transportados a uma história muito mais contemplativa e comovente. Os alienígenas da trama, aqui chamados de heptapods devido ao seu formato, tem uma linguagem totalmente distinta da nossa. Eles se comunicam através de logogramas circulares.


Um logograma é um símbolo gráfico único que denota um conceito concreto ou abstrato da realidade. Alguns exemplos disso são a escrita cuneiforme, os hieróglifos e os pictogramas. Todo tipo de escrita que se expressa através de um símbolo.



Esse acaba se tornando o ponto central do filme: todo o trabalho realizado pela linguista Louise Banks e o físico Ian Donnelly para conseguir decifrar os símbolos circulares, transformando-os em palavras e interpretando seus sentidos. Conforme Louise se aprofunda mais nessa interpretação, começa a perceber que existe uma relação entre a linguagem e a percepção do tempo. Os heptapods não compreendem o tempo de forma linear assim como nós, porque sua linguagem é circular. Portanto, eles não fazem distinção cronológica entre passado, presente e futuro; tudo circuambula o mesmo espaço.


“Diferente da fala, o logograma é livre do tempo. Como suas naves e seus corpos, a linguagem deles (dos heptapods) não possui direção. Os linguistas chamam isso de ortografia-não linear, o que levanta a pergunta: é assim que eles pensam? ”

-Louise Banks (personagem)

Isso reflete com muita clareza a ideia levantada na primeira metade do século XX pela hipótese Sapir-Whorf, que traz a noção de que a língua, com estrutura e vocabulário próprios, influencia a percepção do mundo. “A língua que você fala determina como você pensa”, conforme é citado no longa.


Nossa forma de compreender o tempo cronologicamente: presente-passado-futuro ou: causa-consequência, muito provavelmente é um reflexo da própria linguagem, e vice-versa. Os heptapods, ao se comunicarem em uma linguagem circular: sem início ou fim, demonstra que sua percepção do tempo é totalmente diferente.


Isso fica muito bem ressaltado no filme: ao longo da narrativa somos apresentados a diversos cenas que pareciam flashbacks de Louise com sua filha que havia falecido de uma doença terminal, e somente após o seu entendimento da linguagem dos heptapods, percebemos que na verdade essas cenas não são flashbacks, mas sim flashfowards: elas ainda não aconteceram na trama. Conforme Louise passa a entender os logogramas circulares, também começa a interpretar o tempo de maneira circular.


Ao assistir novamente esse filme e toda a trama por trás da linguagem, não consegui deixar de pensar na imagem do ouroboros: a serpente que come a própria cauda.


O ouroboros também costuma ser representado pelo círculo, o que indica o conceito do eterno retorno, assim como a espiral de evolução e a dança sagrada de morte e reconstrução. O símbolo urobórico também contém as ideias de movimento, continuidade e autofecundação.


Carl Jung também analisou a imagem do ouroboros, ao se debruçar profundamente nos estudos alquímicos. Ele comenta que este é um arquétipo primordial que desempenha um papel importante no processo de individuação, representando integração e assimilação:


“Ouroboros se mata e se vivifica, fecunda-se e dá à luz a si mesmo. Ele simboliza o Uno, que procede do choque dos opostos e, portanto, constitui o segredo da matéria prima que inquestionavelmente provém do inconsciente do homem”.

-Carl Jung (Psicologia e Alquimia)






Amplificando essa imagem, Erich Neumann em seu livro História das origens da consciência, também comenta que: “Um símbolo da perfeição original é o círculo”. Percebemos que a imagem circular se faz presente em diversas culturas, sendo uma imagem muito associada à totalidade.


Por exemplo no zen budismo, existe o conceito de Ensō, que significa círculo. Simboliza a iluminação, força, elegância, universo e o vazio (mu). Na pintura zen budista, o Ensō é um retrato do momento em que a mente está livre para deixar os sentidos criarem. A pincelada de tinta do círculo é feita sobre seda em apenas um movimento e não há possibilidade de modificação: mostra o estado expressivo do artista naquele momento.


Os zen budistas acreditam que o caráter do artista está completamente exposto na forma com a qual desenha um Ensō. Apenas uma pessoa mentalmente completa, que tenha percebido a não-dualidade, consegue desenhar um Ensō verdadeiro.


Percebemos aí uma semelhança muito interessante com a linguagem dos heptapods, o círculo como uma expressão da totalidade, de um continuum temporal. Ao final do filme, Louise já sabe que no futuro sua filha inevitavelmente falecerá, devido a sua nova percepção do tempo, mas mesmo assim escolhe ser mãe. Ela assume seu destino, e entende que mesmo os momentos de tristeza e luto fazem parte da uma vida por inteiro.


“Apesar de conhecer a jornada e saber como ela termina... eu aceito e acolho cada momento dela”.

-Louise Banks (personagem)



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1 Comment


kaueluizdavid
kaueluizdavid
Jul 23, 2023

Amo esse filme e amei o texto! Parabéns Lucas!

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