top of page

Skinamarink e nossos medos esquecidos



O novo terror-hit do cinema tem gerado opiniões diametralmente opostas em suas críticas, é amar ou odiar. Traz consigo uma certa nostalgia que remete aos filmes da sequência "Atividade Paranormal" ou até mesmo "A Bruxa de Blair", numa pegada mais foundfootage. Em suma, é um filme bastante modesto em sua premissa: duas crianças acordam no meio da noite e descobrem que seu pai desapareceu e todas as janelas e portas de sua casa sumiram.


Skinamarink ou "Canção de Ninar" em português, é um filme de 2023 estreado por Kyle Edward Ball, cineastra canadense. O filme ficou conhecido por seu baixo orçamento, sendo filmado na antiga casa do diretor (outro fato que ironicamente remonta a Atividade Paranormal).


No filme acompanhamos essas duas crianças, que acordam de madrugada e estão visivelmente desconfortáveis com o fato de não encontrarem seu pai pela casa. O filme carrega uma estética de VHS lembrando um filme antigo de fita cassete, cheio de ruídos e chiados. Após as crianças perceberem que estão sozinhas, o local começa a mudar de forma imprevisível, com portas e janelas desaparecendo, quase como se a própria casa fosse a entidade por trás da história. E para intensificar ainda mais, uma presença macabra começa a se comunicar com as crianças.



O fato é: em alguma medida, é um filme desconfortável. Essa premissa de duas crianças acordando no meio da noite se sentindo desorientadas em seus próprios lares é uma experiência pela qual muitas pessoas já passaram, é quase como um pesadelo infantil. Estamos em nosso quarto e acreditamos visualizar figuras assustadoras nos cantos, vultos que se mexem.


O longa cria exatamente essa sensação. Não há adultos que possam te socorrer, e nem mesmo existe a possibilidade de escapar. As crianças, assim como os espectadores, estão confinadas com as sombras e barulhos amedrontadores. E é aí que surge o verdadeiro incômodo do filme.


Assistir Skinamarink é uma experiência nostálgica, quase arquetípica, que provavelmente todo mundo já passou pelo menos uma vez durante a infância. Acho interessante o sentido que o diretor escolheu ao resgatar um tipo muito particular de “nostalgia negativa”, se assim posso chamar, movimento totalmente contrário ao que sentimos quando assistimos à Stranger Things, por exemplo, mesmo sem ter pertencido a todo aquele imaginário cultural dos anos 80.



Quando olho para trás, ao lembrar da minha infância, quase que instintivamente sou transportado para memórias positivas, lembranças de afeto, de pessoas e lugares que gostava de visitar. Acredito que todos evitamos recordar os momentos que nos geraram algum tipo de desconforto e insegurança.

Mas Skinamarink nos leva justamente até esse lugar. Nos faz lembrar que nossa infância também carrega certas dores, certas experiências desagradáveis. O medo de se sentir completamente indefeso frente à um desconhecido tão vasto, que ganha forças na escuridão da noite, mesmo que dentro da nossa própria casa. Nos mostra que nem sempre foi agradável ser criança.

Outro ponto que me chamou a atenção na obra, foi um constante estranhamento, quase como uma dificuldade, de entender o que estava acontecendo na maioria das vezes. Em certos momentos o diretor propositalmente desfocava a imagem, ou filmava ângulos aparentemente sem sentido, como o teto ou o chão, quase como se nos transportasse para dentro da narrativa.

Essa ausência de controle, que muitas vezes possuímos enquanto espectadores, me gerou um sentimento de impotência, uma necessidade de tentar entender a lógica por trás daquele filme tão “bagunçado”. Posteriormente, ao ler algumas críticas negativas, percebi que muitos comentários ressaltavam um incômodo semelhante: a falta de uma narrativa coesa, a dificuldade para entender o final, e o que de fato aconteceu durante o filme.

Acredito que nos incomodamos com o tipo de narrativa que não apresenta uma estrutura minimamente linear. Quase que por necessidade, nos vinculamos mais facilmente as histórias em que tudo é muito claro e coeso. E Skinamarink não se preocupa com isso em nenhum momento. É um longa sem início ou final fechado, levando à muitas teorias por parte do público (sendo este inclusive mais um ponto alvejado pela crítica).

Grande parte dos fãs de terror consideram Skinamarink uma obra monumental do gênero, fazendo parte inclusive do Pós-horror; sub-gênero recente que vêm ganhando forma a partir de obras como “Hereditário”, “O Farol”, “Babadok” e “A Bruxa”. O Pós-horror é considerado por filmes que se propõe a resgatar o medo em sua essência, sem se valer de efeitos audiovisuais, jump scares e outros truques cinematográficos.

São filmes que trazem o medo como um dos sentimentos mais arcaicos do ser humano, sentimento que carregamos junto com nossa cultura e alteramos apenas a forma de interpretá-lo. A alguns anos, o cinema do terror se valia de monstros, personagens assassinos ou crianças possuídas por espíritos malignos. Atualmente essas imagens não geram mais o mesmo impacto.

A cultura tem mudado, já não sentimos mais medo das mesmas coisas, e o Pós-horror nos leva até esses novos lugares. Assistir Skinamarink me fez pensar sobre a minha própria infância, e também para além dela, de como todo um gênero tem passado por uma importante transformação.

Com certeza esse é um filme que não deixará de ser discutido tão cedo, constantemente reinterpretado como um clássico moderno ou um absurdo total, e essa discussão só prova que o longa conseguiu justamente o que almejava: atormentar a consciência coletiva do público e da crítica como um pesadelo de infância que você não consegue esquecer.



45 visualizações2 comentários

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page