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Os símbolos de morte nas operações alquímicas



Quando veres tua matéria enegrecer,

regozije-se, pois este é o início do trabalho.


-Rosarium Philosophorum (1550).


O primeiro contato do pensamento junguiano com a alquimia se deu no ano de 1928 através da leitura do tratado de alquimia chinesa O Segredo da Flor de Ouro. Este manuscrito foi enviado a Carl Gustav Jung pelo sinólogo Richard Wilhelm e versa sobre os motivos arquetípicos da morte e do renascimento na filosofia oriental.


Jung, em seu Psicologia e Alquimia (OC 12), relata que a partir da leitura dos tratados alquímicos encontrou o elo perdido de sua psicologia, uma vez que o trabalho dos alquimistas era capaz de oferecer uma base empírica para o Processo de Individuação. Os alquimistas tinham a chave para as experiências individuantes, uma vez que, em sua busca pelo ouro filosófico, acabavam por projetar conteúdos inconscientes na matéria. Desta forma, a alquimia pode ser contemplada enquanto uma ciência intuitiva eminentemente psicológica.


Na busca pela síntese do ouro filosófico, os alquimistas descrevem uma série de operações que tentam viabilizar esse processo. Edward Edinger, em seu livro intitulado Anatomia da Psique (1985), divide a jornada até a opus alquímica em sete processos principais. Cada uma dessas operações constitui o centro de um complexo sistema de símbolos, compondo o principal conteúdo de todos os produtos culturais.


O autor separa estas operações em: solutio, calcinatio, coagulatio, sublimatio, mortificatio, separatio e coniunctio. Ao finalizar todas estas etapas, o alquimista chegaria à opus alquímica, cuja é simbolizada pela conjunção opositora das polaridades, podendo também ser interpretada como a finalização de uma obra criativa. No entanto, faz-se prudente frisar que a alquimia é uma arte circum-ambulatória, isto é, ela não visa um fim último, sim uma permanente travessia em direção à artesania de um individuum psicológico.


Seguindo a trilha aberta por alguns textos alquímicos medievais, Jung notou que o processo de transformação psicológica era antecedido por um estado de nigredo. A nigredo é o estágio alquímico no qual a matéria ainda não começou a se particularizar e se encontra em um estágio de indiscernibilidade e confusão. Em seu principal trabalho sobre a transferência no setting analítico, Jung postula que o estágio da nigredo é aquele que, não raro, os pacientes se encontram no início de um tratamento analítico.


A leitura simbólica para o processo de nigredo dentro da Psicologia Junguiana tem uma matriz paracélsica, isto é, o momento de confusão da matéria também pode ser tido o estágio em que o ovo filosófico ainda não foi tocado com mercúrio. Assim sendo, a nigredo guarda em si todas as possibilidades arquetípicas de morte e renascimento, ainda que estas se encontrem em status nascendi.


Os símbolos que regem esta fase alquímica são os mais diversos na produção junguiana, sendo que os dois que aparecem com maior recorrência em Psicologia e Alquimia (OC 12) e, posteriormente, em Alquimia (1991) de Marie Louise von Franz, são a cabeça de corvo e o esquife de chumbo de Osíris. Na obra junguiana, Osíris aqui aparece como a cabeça morta, representando o estado de nigredo.


De acordo com Jung, o chumbo é sempre representado como algo extremamente perigoso para a personalidade do artífice, o chumbo está possuído por demônios e ameaça com a loucura quem quiser se aproximar dele por causa de sua inconsciência. Essa substância também é representada como a prima matéria, ou o ovo filosófico, o ovo dos quatro elementos. Isto nos remete ao princípio, ao começo das operações, o que é necessário para começar, aquilo que deve ser transformado. Ao mesmo tempo fala da substância básica do mundo, onde reside o segredo divino da vida e da morte.


Por outro lado, em uma torção arrojada da compreensão da alquimia no pensamento pós-junguiano, James Hillman em Psicologia Alquímica (2011), destaca que as propriedades pesarosas do processo de nigredo se devem à quantia de chumbo contida nele. O sofrimento causado pelo chumbo é lento e melancólico, levando o sujeito a apodrecer lentamente em suas zonas sintomáticas sem ser capaz de trazer certa sofisticação à elas.


Para Hillman, a via oposta do sofrimento causado pelo chumbo se encontra nas dores causadas pelo sal alquímico. Enquanto as dores plúmbeas são pesadas e vagarosas, as dores salgadas são pungentes e cortantes. Isto é, o sal acaba por ser o elemento que é responsável pela particularização do sofrimento da matéria. Portanto, fôssemos seguir a máxima “Diga-me com quem andas e te direi quem és”, poderíamos dizer “Diga-me como salgas teus sintomas e te direi quem é”


Por fim, nessa pequena explanação feita por alto, pode-se dizer que a nigredo guarda tanto a morte quanto a vida em estado latente. Deste modo, é um consenso para a alquimia a concepção de que sujeito que entra no mundo das trevas só consegue alcançar o ouro filosófico se assimilar aquilo que lhe é impuro. Só é possível uma transformação psicológica se a matéria é cozinhada em sua interioridade, se o símbolo emerge em sua própria consciência lógica e se o sujeito é cozinhado em seu próprio sangue.







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