Quero propor um olhar de Desconhecimento, o abandono de certezas e até de conceitualizações. O Desconhecimento como uma perspectiva, na qual todas as coisas são desconhecidas, obscuras, nebulosas. O Desconhecimento como uma outra forma de ser, estar e ver o mundo.
Fazendo um gancho com o texto anterior “Olhar através da alma”:
“Todas as teorias de abordagens psicológicas buscam compreender e abarcar a psique em sua totalidade e todas, indiscutivelmente, falham nessa empreitada. A psique é muito mais mistério do que qualquer outra coisa, é dizer o não-dito, suportar o insuportável e compreender a falta que todo ser humano intrinsecamente possui, juntamente da estranheza constante do eterno desconhecido”.
Como entrar em contato com o desconhecido?
A psique é nebulosa, misteriosa, enigmática. A conceitualização perante determinado fenômeno pode vir a ser um fechamento, um enclausuramento de experiências. Muitas certezas podem vir a significar falhas, muita clareza pode vir a significar cegueira. Um processo e uma operacionalização de Desconhecimento assume o estado nebuloso da psique e admite sua incompreensão, em prol disso é necessária mais precisão, mais contextualização, mais textura, mais implicação, mais relação. É necessário se ater à imagem, conceitos abstratos adquiridos previamente são secundários, podem inclusive servir como defesas na relação com a psique.
Ao adentrar um quarto escuro entramos com cuidado, não podemos depender de luzes para clarear os nossos olhos, é como se fossemos cegados, como se usássemos óculos de lentes eternamente embaçadas. Somos obrigados a tatear, tomar cuidado com detalhes. Cautelosos para não quebrar nada e também não nos machucarmos, nos reconhecemos vulneráveis sem saber direito aonde pisamos, e assim podemos entrar melhor em contato com as particularidades do outro e sua vulnerabilidade, aonde seus pés também tem dificuldades em encontrar chão.
Sem nos fecharmos em termos rígidos e conceitos exatos adquirimos profundidade, cavamos uma pluralidade de significados a partir de uma mesma experiência, fazemos conexões e reconexões de eventos, pensamentos, sentimentos e sensações, a psique se mantém sempre aberta a novas ressignificações. Adentramos na névoa da psique e nos labirintos da alma. Labirintos sem fim e profundidades sem limites, podendo haver sempre novos sentidos. Aliás imagem como sentido, como raiz e possibilidade de inúmeros sentidos, digo sentido como direcionamento, como significado e forma de sentir.
“Sempre que você ou eu tratamos as imagens como representações de algo mais - Pênis ou a Grande Mãe, ou Impulso de poder, ou Instinto, ou outro conceito abstrato e geral de nossa preferência - despedaçamos a imagem em favor da ideia por trás dela. Dar à imaginação significados interpretativos é pensar alegoricamente e despotencializar o poder da imaginação”. (HILLMAN, 1999)
Esse texto propõe o Desconhecimento em favor da imagem e em respeito à profundidade da alma. Como se fossemos cegos em um mundo desconhecido, aonde a clareza e a certeza podem ser uma das maiores cegueiras.
Gustavo Falavinha Staidel
Estudante de Psicologia
Referências:
HILLMAN, James. O livro do puer: ensaios sobre o arquétipo do puer aeternus. São Paulo: Ed. Paulus, 1999.
HILLMAN, James. O Sonho e o Mundo das Trevas. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2013. – (Coleção Reflexões Junguianas).
Excelente texto Gustavo!