Como muitos que estão lendo este post, sou fã do Jung e sua teoria. Apesar da minha paixão por sua psicologia, descobri que um dos meus livros favoritos (Memórias Sonhos e reflexões) não é exatamente de sua autoria.
Vendido como a autobiografia de Jung (supostamente ditada pelo mesmo e escrito por sua secretária, Aniela Jaffé) o livro – Memórias, Sonhos e Reflexões - supostamente relata a vida interior e secreta do “guru” da psicologia analítica. Porém, quando historiadores como Sonu Shamdasani foram pesquisar os fatos históricos, descobriram que o mito descrito no livro foi mascarado por algumas ilusões.
Para muitos dos meus colegas essa notícia foi como gelo, quebrando o homem-mito que se tornou Jung. Para mim, no entanto, saber deste fato tornou o livro ainda mais interessante.
Somos todos tão apaixonados assim por sua teoria que tentamos protegê-lo de si mesmo??!!!
De acordo com meus professores em Essex University, os filhos de Jung estavam apavorados com o que poderia sair da boca de seu pai e acabaram deletando muitas coisas, como um capítulo inteiro que falava sobre Ema Jung (sua esposa) e Tony Wolf (sua amante). Os professores até disseram que Jung considerava a primeira como a mulher da personalidade numero 1 e Tony como a esposa da personalidade numero 2, ou seja, não tinha como cortar apenas uma das mulheres nas edições!
Foi deletado também vários capítulos sobre suas viagens (algo que Jung fazia com freqüência, deixando Ema Jung como responsável pela casa, empresa e filhos.)
Outro dado que foi realmente interessante para mim é que Jung não queria escrever uma autobiografia a princípio. Um dos motivos era por não existir uma autobiografia que não seja “mentirosa” e o outro era que ele não queria que o livro fosse publicado enquanto ele ainda estivesse vivo! o.O
Talvez até ele mesmo estivesse com medo do que poderia sair da sua boca!!! Rs
Bom, de certa forma, Jung não estava realmente interessado em colocar fatos em sua biografia, não é mesmo? Na primeira página do MSR (Memórias, Sonhos e Reflexões) já é relatado que ali se encontra o mito pessoal de Jung e o que ele considera como sua verdade pessoal e não o que aconteceu DE FATO!
Mas aí encontramos outro problema, a verdade de quem estamos lendo? Parece que Jung escreveu apenas os 3 primeiros capítulos e ainda assim estes passaram pela “Auntification” como disse Jung para o seu tradutor de confiança Richard F. C. Hull.
Auntification é uma palavra que Jung inventou quando foi visitar Hull para descrever o que havia acontecido com seus textos para a autobiografia. Aunt em inglês significa tia, auntification pode ser traduzido para o processo de deixar suas palavras com cara de tia...
Hull não era o tradutor oficial deste livro, já que por motivos de contrato das Obras Completas na Suiça, MSR seria vendido primeiramente nos EUA por outra editora, mas mesmo assim, Hull contribuiu com as traduções e lutou para diminuir as edições feitas no livro.
De acordo com Hull, os maiores “auntifiers” foram a filha mais nova de Jung, Marianne, o marido dela, Walther Niehus, e o seu filho Franz. Aniela Jaffé também contribuiu com o processo, porém, Hull acreditava que ela estava no meio do furacão, sofrendo pressão de todos os lados (a família Jung e os editores dos EUA).
Sobre isso Hull comenta: “an ideological censorship of Jung’s statements.” “family falsifications” “wholesale cutting”
Censura ideológica dos fatos descritos por Jung. Falsificações da família. Cortes na edição para vendas.
Sabendo desses dados, percebendo que o Jung descrito na autobiografia foi um Jung fantasiado por aqueles que estavam à sua volta, como devemos compreender o homem mito que nos é apresentado no livro? Digo isso pois uma das primeira frases ali é uma famosa, sobre um inconsciente que se realizou, ou seja, a história do mito do processo de individuação. Porém Jung também diz que o processo de individuação não ocorre em vida...
Para quem é novo no mundo da psicologia analítica: SIM, existem muitas contradições nessa teoria! Mas para mim é isso que a faz interessante!
Victor White diz que Jung é como uma figura paterna, algo que durante a sua vida sempre foi, de certa forma, problemático. Ele se desentendia com seu pai e um dos motivos por sua separação com Freud foi também por este lhe lembrar o papel de pai, mas no fim do dia, Jung se torna esse pai...
Assim, para Victor White, se esse complexo é tão importante e significante, o MSR não pode ser considerado um guia para a individuação, pois esta não aconteceu, o complexo continua. O guru individuado do MSR não existe!
Pensando assim, tem algo que pode ser “salvo” do livro? Qual é o valor do MSR? Porque o livro se tornou um mito tão importante para nós e porque, de certa forma, precisamos dele?
Mito, verdade..
A verdade não tão literal pode ser verdade na psicologia profunda do inconsciente.. tem seus impactos no processo de “curar” as emoções. Não é por isso que estudamos os mitos, as fantasias e os sonhos?! A verdade descrita no MSR é o suficiente para nossas reflexões na psicologia analítica?
Deixe seu comentário sobre esse post! Adoraria saber como outros “junguianos” percebem essa nova realidade.
Monique Grotto Olsen
Graduada em Psicologia pela PUCPR
Mestranda em Jung and post Jungian Studies por Essex.
Monique Olsen
moniqueolsen55@gmail.com
Jung, C. G. (1963) Memories, Dreams, Reflections, recorded and edited by Aniela Jaffé, translated from the German by Richard and Clara Winston, London: Collins and Routledge & Kegan Paul
Elms, A. (1994) ‘The Auntification of C. G. Jung’, chapter in Uncovering Lives: The Uneasy Alliance of Biography and Psychology, New York and Oxford: Oxford University Press.
Shamdasani, S. (1995) ‘Memories, Dreams, Omissions’, Spring: Journal of Archetype and Culture 57: 115-137. [In P. Bishop (ed.) (1999) Jung in Contexts: A Reader, London and New York: Routledge, 33-50.]
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