A psicologia como ciência possui dificuldades para compreender o enigma que é a psique, isso se dá pois procura-se compreender a psique pela psique. Desse modo, no decorrer de seus estudos, Jung encontrou o ponto de Arquimedes para explicar o processo de individuação, que é a alquimia. O autor relata que quando começou sua teoria, escrevia formulas, depois passou a falar de suas experiências e por fim descobriu que a linguagem analógica é a linguagem da alma, então está se torna poética ou religiosa, como a alquimia.
“O alquimista projetava o processo de individuação nos processos de transformação química.” (JUNG, 2009, §564) Dessa forma, a última fase de transformação alquímica condiz com a noção de um Si-mesmo conscientizado, criando um Unus Mundus, que seria a realização da pedra no mundo.
No mito alquímico, Deus, que fez um trabalho perfeito com relação à humanidade, deixou uma parte desse trabalho em aberto, ou seja, é dever do homem finalizar o projeto perfeito que é de Deus. Assim, o alquimista projetava o seu inconsciente na matéria, a fim de encontrar a matéria primeira, a pedra philosophorum ou o ouro eterno e indestrutível. Essa era uma busca tanto física quanto espiritual.
O processo que os alquimistas passavam para encontrar ou reencontrar Deus é similar com os processos pelos quais os pacientes passam durante a análise. Como exemplificado no famoso ditado alquímico: "Dissolve a matéria em sua própria água." (EDINGER, 2010, p.21)
Assim, os alquimistas buscavam compreender a matéria pela própria matéria e os psicólogos a utilizam para compreender os afetos em sua própria água.[1]
Pensando de forma alquímica, finalizar o trabalho de Deus, como descrito no mito alquímico, seria trazer o todo, que é a essência divina, para a consciência. Como se levássemos o discernimento para a centelha divina dentro de nós, que é o Si-mesmo.
Esse é um processo para ser realizado durante toda a vida, sendo que o local de transformação da libido é o corpo. O esforço heróico do ego faz com que as etapas de individuação ou da opus alquímica sejam concluídas, porém apenas alguns escolhidos realizarão o grande processo de individuação.
Existem, no entanto, os “mini” processos de individuação que seriam as pequenas tomadas de consciência que podem ocorrer diariamente ou ao longo de uma etapa de vida.
O processo de individuação, mesmo os mini processos, começam, de acordo com a alquimia, com a descida ao inferno, que na alquimia chama-se nigredo. Conforme avança nesse processo vai para a brancura. Quanto mais distante do centro, mais superficial, mais escuro. Conforme caminha-se para o centro vai clareando – albedo. Depois se avermelha que é a rubedo ou paraíso. Os estágios não são fixos, pode-se estar em um estágio e viver estágios anteriores e posteriores. Existem muitas etapas na alquimia, mas as etapas da nigredo, albedo e rubedo são consideradas as 3 principais.
A nigredo, considerada como a primeira etapa, tem relação com a experiência de morte, que pode ser: do principio diretor do ego; da prima matéria (recolhimento da projeção); idéias coletivas; da pureza e inocência. Essa é a operação mais negativa da alquimia, porém ela tem seu lado “positivo” que é anular a velha natureza e transmutá-la em algo novo. Nessa etapa ocorre um confronto com a sombra pessoal e arquetípica, sendo que no segundo seria ter consciência do mal. Esse seria o principio da obra, da pedra filosofal e por isso é equivalente ao sofrimento humano.
A albedo, que seria a segunda etapa é considerada o clarear do dia, pela a alquimia. É como se todo o caos e confusão da etapa anterior, a nigredo, fosse chegando ao fim, dando lugar ao entendimento. Nessa fase não há ação, apenas a sabedoria.
Por fim, a rubedo representa a realização da pedra no mundo, a conscientização do Si-mesmo que estava inconsciente, a conclusão do processo de individuação. Esse é o momento em que a divisão psíquica é “curada”, unificando-se novamente. Esse é o grande desfecho da obra, que os alquimistas procuravam tão intensamente e que hoje se tornou “dever” do psicólogo.[2]
Para exemplificar esse conteúdo que é extremamente difícil de ser assimilado, gostaria de relatar um o último ano de faculdade de psicologia. Esse foi um momento no qual pude ser a terapeuta de alguns pacientes, depois de 4 anos apenas estudando teoricamente sobre esse momento. No inicio era como se eu estivesse na primeira etapa alquímica, a nigredo, depois na albedo, quando tive um relance de clareza da situação e por fim, quando terminou o meu último ano, a rubedo. No exemplo utilizado, que se refere a entrada ao mundo da analise terapêutica representa uma mini tomada de consciência, na qual foi vivenciado o desconhecido.
A cada paciente novo que um terapeuta recebe, o processo se restabelece, pois cada novo paciente representa um novo desconhecido, um novo momento em que se vivencia o caos para então clarear e por fim agir no mundo.
A alquimia e seus processos servem então como um guia base dos momentos vivenciados durante a terapia, que sempre tem como objetivo o grande processo de individuação, isto é, conhecer a si mesmo.
EDINGER, F. Edward. Ego e Arquétipo. São Paulo, SP: Cultrix, 2012
JUNG, G. Carl. A natureza da psique. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Obras completas de C. G. Jung, v. 8/2).
JUNG, G. Carl. Aion. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Obras completas de C. G. Jung, v 9/2)
JUNG, G. Carl. Psicologia e alquimia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. (Obras completas de C. G. Jung, v. 12).
PERROT, E. O caminho da transformação: segundo C. G. Jung e a alquimia. São Paulo: Paullus, 1998.
SAMUELS, Andrew. Jung e os pós junguianos. Tradução Eva Lucia Salm. Rio de Janeiro: Imago,1989
[1] Água é um símbolo que usualmente representa o inconsciente coletivo, o lugar de onde os afetos “nascem”.
[2] Lembramos aqui que o psicólogo serve apenas como guia para iluminar o caminho que é individual. O processo de individuação não possui manual pois é único, sendo que o psicólogo só consegue “ajudar” pacientes iluminando processos elos quais ele(a) já passou e/ou que está passando no momento
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