O trabalho do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han me capturou logo nas primeiras linhas. Recordo de ter começado a ler Sociedade da Transparência em meados de novembro passado, quando levava em paralelo a leitura de Civilização em Transição de Carl Gustav Jung. O que mais havia me chamado atenção era posição junguiana sobre o “homem moderno”. Ali encontrei um olhar para essa figura sucumbente à angústia, perdido em meio a seus deuses em mana¹ e mitos sem potência enquanto um prelúdio do que víriamos a viver na sombra que denominamos hoje. O Hoje é uma imagem estranha e metafórica e sinaliza um lugar onde estamos cansados em meio a um mundo que opera através de engessamentos eróticos e cortes subjetivos que visam aplainar a atopia.
A sociedade da transparência opera em via oposta à vida criativa da psique, se coloca enquanto força inversa àquilo que visa agenciar novos estilos para devir no mundo. Desta forma a transparência é inversa à poesia e a imaginação. Uma sociedade transparente é aquela que transforma em obsceno tudo aquilo que foge à norma, numa espécie de higienismo anímico que remonta aos tempos vitorianos, onde os inimigos do Estado eram encarcerados, sob o paradigma de que aquilo que não é visto não é capaz de incomodar.
Então, caímos no inferno do igual, lugar onde da lama não se faz alma e se depara com o abismo da positividade. Este possui faces rasas e planas e visa exterminar tudo aquilo que denuncie o mínimo suspiro de alteridade. Assim, opera-se sob a premissa imunológica de que o contato é um contágio, e uma vez contagiado, se é impuro. A impureza de um Eros nu e errante não é bem vista pelo logos asséptico do bem-estar social.
Lembro de uma coluna da Eliane Brum escrita em 04 de julho de 2016, publicada no El País, cuja carrega o título Exaustos-e-correndo-e-dopados², na qual ela falava da dificuldade de se abrigar o senhor e o escravo no mesmo corpo. Imagino qual seria a reação dos dois autores que aqui debato ao ler esse texto.
Elucubro que Eliane está nos denunciando o quão difícil é se permitir ter vivências dionisíacas em um mundo apolíneo, onde heraclitar-se é pecado. Manter-se poético em um mundo tão tecnicista e tecnológico não é produtivo e, nesse momento, tanto o tempo de descanso para evitar um burnout psíquico quanto o requerido pela alma para emergir e criar novos mundos possíveis no tempo que o fim do mundo parece cada vez mais factual, fazem-se ressonantes.
Este pequeno (des)fragmento, em linhas inexatas e precoces, mostra minha inquietação frente às obras dos autores supracitados e dos movimentos que estas geraram dentro de mim. Em Jung encontro imagens para povoar a aridez; em Byung um Eros que ainda respira, mesmo em um mundo raso e rasurado. Assim, entre Jung e Byung, prefiro os dois.
¹Conceito polinésio que se refere à fundação mágica da função religiosa na psique objetiva.
² "Exaustos-e-correndo-e-dopados”- disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/04/politica/1467642464_246482.html
Referências:
HAN, Byung-Chul. Sociedade da Transparência. Petrópolis: Editora Vozes: 2015
JUNG, Carl Gustav. Civilização em Transição. Petrópolis: Editora Vozes, 2011.
LA CHAPELLE, David. Icarus. 2012 - disponível em: https://guyhepner.com/product/icarus-by-david-lachapelle/
Pedro Henrique Alberton Perússolo
(41) 99918-8887
Graduando em Psicologia pela Universidade Positivo
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