Basta fazer uma rápida busca online para sermos sobrecarregados com frases motivacionais. Em geral são frases curtas, de efeito e nada originais, como: “quem sempre luta um dia vence” ou “continue, só desiste quem não quer chegar lá”. Mas aí vem a questão: chegar aonde?
A maioria das pessoas não sabe aonde quer ir e acredita que apenas “continuar indo” vai fazer com que o vazio interior um dia se preencha. É como se houvesse uma esperança de que “ao chegar lá” a pessoa vai na verdade chegar à algum lugar. Essas pessoas esquecem que a luta com e por objetos externos não leva a auto reflexão, uma das grandes técnicas para "curar" o vazio existencial dentro de nossa alma.
Françoise O’Kane reflete que “os médicos podem curar as doenças, mas o papel do analista é ajudar o analisando a encontrar a “cura” - um relacionamento melhor com a vida - e não uma cura no sentido de erradicação de sintomas.” p.19
Dessa forma, não podemos, enquanto analistas junguianos, esperar uma melhora do paciente, pelo menos não no sentido social que a “melhora do paciente” faz crer.
A autora se pergunta muitas vezes durante seu livro “A sombra de Deus - Reflexões sobre a depressão e a dimensão religiosa da existência” sobre a questão dos analistas estarem se apropriando de conceitos da sociedade, como progressão e busca pela luz, esquecendo que o contrário também faz parte do processo terapêutico. Ela se pergunta sobre o lugar dado aos elementos sombrios na terapia e se por acaso existe a tal da cura.
Devemos lembrar que Jung definiu o Self como um “outro” que ainda é misterioso, paradoxal. Nele o lado sombrio e o lado iluminado possuem o mesmo valor sendo que um não pode destruir o outro e nem ser maior que o outro. Ou seja, quando algo da sombra é iluminado pela luz da consciência, automaticamente outro componente potencial se move para a escuridão.
Assim, para Françoise O’Kane,
“a cura que poderia ocorrer resultaria da despotencialização das energias negativas através de uma modificação do relacionamento entre o ego e o pólo escuro.” p.30
Então, como devemos confrontar os aspectos sombrios do Self do nosso paciente durante a terapia se psicologicamente falando luz e sombra tem o mesmo valor?
O’Kane tem a solução:
“Uma atitude despretensiosa - atribuindo mais valor à experiência do que aos resultados objetivos e renunciando ao pleno controle sobre o que é certo, o que é errado e o que é valioso” … “Tal atitude deixa as coisas acontecerem organicamente e, com mais frequência do que pensamos, permite que um “não-valor” transforme velhos elementos e produza novos elementos.” p. 44
Volta-se então para a noção de Jung, que a psique possui um poder de auto cura. Porém em uma sociedade que busca sempre o progresso, tomar tal atitude descrita por O’Kane se torna um desafio. Para muitos colegas de profissão esse não objetivo perante o processo terapêutico faz com que o trabalho seja desmerecido de valor pois nela não se espera uma “melhora” do paciente.
A ordem cronológica não faz parte desse tipo de jornada sendo que é justamente seu aparente não-valor que dá valor à terapia, possibilitando uma sensação renovada de vitalidade ao paciente, que passa a viver no paradoxo, tal qual o próprio Self.
Referência: O'Kane, Françoise. A sombra de Deus - Reflexões sobre a depressão e a dimensão religiosa da existência. São Paulo, Ed. Axis Mundi. 1999
O terapeuta é uma mera formalidade para a psique arquetípica manifestar o terapeuta da alma ;)