Nesse sentido, para o homem conhecer o Si-mesmo, é necessário que o Si-mesmo conheça a si mesmo. Parece ridículo, mas esse é o processo de individuação, quando tudo aquilo que antes era inconsciente passou a conhecer-se, ou seja, quando o homem foi capaz de ter uma autorreflexão.
Jung, no livro "Resposta a Jó", relata que a moralidade pressupõe certa consciência sobre si, mas que o Deus do mito cristão não teria consciência, a princípio, e por isso suas atitudes no antigo testamento, das quais a moral humana não compreende. Assim, o mito cristão se aproxima (de certa forma) da psicologia analítica, na qual o trabalho do ego é fazer consciência para o Self ou o Si-mesmo. (No mito cristão seria trabalho do homem, no caso de Jó, levar a consciência para Deus).
Trazendo essas questões para o dilema diário da vida humana, percebe-se que pessoas com pouca ou nenhuma autorreflexão acabam por delimitar suas vidas sempre em relação a objetos. Como descrito por Jung no parágrafo 574:
A dependência em relação ao objeto é total, quando o sujeito não é capaz de refletir sobre si mesmo e, por conseguinte, não tem a percepção do que se passa no seu interior. A impressão é a de que ele só existe porque tem um objeto que garante de fato que ele existe.
Ou seja, quando não paramos para refletir sobre aquilo que somos, agimos de forma amoral, mecanizada e provavelmente em busca de sentido de vida em meros objetos.
Somos seres paradoxais, possuidores das potências mais tenebrosas e também de potências divinas, só seremos capazes de distinguí-las através da autorreflexão, da sabedora e da tomada de consciência.
O sentido da purificação no mito cristão, e na maioria dos mitos, corresponde ao processo de sabedoria e autorreflexão. Esses diferem do discernimento pois o último nega uma parte dos aspectos que pertencem ao ser humano, enquanto que na sabedoria (descrita em tantas passagens bíblicas) é predominante o aspecto da autorreflexão. Isso seria: saber quem é, aceitar-se, sabendo o que esperar de si nas mais diferentes relações humanas.
Muitas pessoas acabam esquecendo a última parte, dizendo apenas que o mundo deve aceitá-las do jeito que são. Elas tem razão, em parte, pois sabedoria não significa somente uma consciência perceptiva.
Com a consciência da sabedoria se adquire também a moral, nela devemos ter relações éticas e morais com todos os seres humanos. Isso é a autorreflexão, que significa conhecer os aspectos tenebrosos e os aspectos divinos interiores agindo no mundo de forma moral e ética.
Qualquer tentativa de separar (o discernimento puramente racional) os aspectos tenebrosos e os aspectos divinos acaba por mutila-los pois são uma só coisa.
Assim, ter sabedoria e autorreflexão significa ter responsabilidade sobre suas atitudes.
É por isso que Jung relata no parágrafo 664 que: "Deus é uma coincidência oppositorum. Tanto o amor como o temor de Deus são legítimos."
Ou seja, nós seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus (pelo menos no mito cristão), também somos uma coincidência oppositorum.
Referências:
JUNG, Carl G. Resposta a Jó. 10ª Ed. - Petrópolis, Vozes, 2012.
Comments